quinta-feira, 14 de maio de 2009

CAPÍTULO XIV

Há vários motivos para não se amar uma pessoa e um só para amá-la.
(Carlos Drummond de Andrade)


─ Não acredito que já estamos aqui há um mês, Lucas! ─ exclamou Serena e fechando o notebook.
Lucas estava sentado no quarto brincando e Serena, trabalhando. Dario a havia levado a casa do amigo Dimitri há exatamente um mês e tinha ficado escondida ali durante esse tempo. Lucas fora trazido dois dias depois e Serena ficou com a incumbência de escrever a matéria sobre o tráfico de órgãos.
A casa era ampla e muito bem decorada. Dimitri ficava pouco tempo com eles, pois sempre estava trabalhando fora. Mas Serena nunca tinha privacidade porque dois seguranças tomavam conta da casa.
Dario ligava regularmente para ela, mas sempre ligações rápidas e evasivas. Ela já estava ficando entediada e revoltada com aquela situação. Estava se sentindo uma prisioneira e a saudade de Dario era forte, apesar de não admitir isso para ele.
─ Sabe de uma coisa, Lucas? Vamos descer e ficar um pouco na piscina. Quer?
─ Oba! Quero tomar... “sovete”!
─ Claro, meu bem. Vou pôr uma sunga em você primeiro.
Dito isso, pegou Lucas no colo e entrou no quarto. Poucos minutos depois, estavam no térreo. Serena observa Lucas brincando na piscina rasa. Ele estava se divertindo naquele mês.
“Tudo seria ótimo se Dario tivesse aqui...” pensou.
─ Pelo menos alguém está se divertindo! ─ exclamou Mônica ao lado dela.
Serena se assustou com a voz repentina.
─ Oi Mônica! Que bom que está aqui!
─ Por que não tenta se divertir igual ao seu irmão, minha querida?─ perguntou a senhora, sentando-se ao seu lado.
─ Não agüento mais ficar presa aqui, Mônica. Pelo que sei todos já estão presos ou aguardando julgamento.
─ Ricardo está foragido ainda, Serena. E você sabe muito bem que ele tem motivos para querer vir atrás de você.
Ricardo havia sumido da cidade quando soube da prisão de Lisa. O estado todo estava a sua procura, mas nem sinal dele.
─ Não posso viver escondida para sempre. Seu filho está sendo muito cruel comigo. Só veio aqui uma vez e não ficou nem dez minutos...
Sem se dar conta, Serena falava em tom de melancolia. Odiava expor seus sentimentos, mas via em Mônica uma segunda mãe.
─ Ele tem seus motivos, querida. Acho que está muito preocupado com sua segurança.
─ Não me convenceu, Mônica. ─ disse dando um meio sorriso.─ Mas vamos falar de outra coisa... quer sorvete?
Mônica ficou o resto da tarde com eles. Queria tanto distrair Serena, pois percebia sua tristeza. Sabia muito bem que seu filho sabia ser muito frio quando queria e não concordava com as atitudes dele.
Quando chegou em casa, encontrou Dario tomando um copo de leite na cozinha.
─ Boa noite, meu filho. Vou esquentar o jantar.
─ Não precisa, mãe. Passei rápido para tomar um banho e vou voltar à delegacia já.
─ Meu filho, até agora me calei diante dessa situação. Você está tão obcecado por pegar Ricardo que esqueceu que Serena tem sentimentos. Mas não vou permitir que você continue fazendo isso com Serena.
─ Acabo de chegar da casa de Dimitri. Ela está triste e não quer mais ficar presa igual a uma prisioneira. ─ continuou Mônica.
─ É temporário...
─ Não quero mais saber se é temporário ou não. Ela não fala muito sobre o que sente, mas eu vejo no rosto dela. Por que você não a visita mais? Sei muito bem que você não quer misturar seus sentimentos com seu trabalho, mas não criei um filho para ser frio assim igual a você, Dario!─ disse e saiu da cozinha.
Dario ficou sozinho por um tempo antes de sair de casa. Sua expressão era triste, mas ansiosa quando entrou no carro e seguiu rumo à casa do amigo.

CAPÍTULO XIII

"A verdadeira decisão é medida pelo fato de que você tomou uma atitude. Se não houver atitude, então você realmente não decidiu. " (Desconhecido)


O sol já espalhava os primeiros raios pelo céu enquanto Dario e Serena se dirigiam ao encontro de Dimitri. Apesar de terem ficaram em silêncio o caminho todo, Dario segurava as mãos frias e levemente trêmulas dela entre as suas.
Ainda estavam no carro de Mariana, quando o celular de Dario tocou novamente. Serena já sabia quem era antes dele atender.
─ O que foi, Lisa? ─ perguntou ele, com tom impaciente.
─ Dario, você precisa vir para cá. ─ respondeu Lisa, fingindo um tom de voz assustado, do outro lado da linha.
─ Lisa, fica calma. Vou deixar Serena em segurança e te encontro logo em seguida.
─ Não, Dario. Não dá tempo. Ele já sabe... sei que está vindo aqui. Salve-me, Dario... ─ Lisa desligou o telefone no meio da sua fala. Sabia interpretar muito bem.
─ Droga! ─ exclamou Dario.
─ O que foi? ─ perguntou Mariana.
─ Lisa está com problemas. Parece que Ricardo está atrás dela.
─ Por que estaria atrás dela, Dario? ─ perguntou Serena, falando pela primeira vez. ─ Preciso saber o que aconteceu, por favor!
Rapidamente ele expôs para as duas, a primeira ligação de Lisa, que dizia ter informações sobre uma nova vítima. E, segundo ela, era de extrema importância que eu agisse rápido para salvar essa vítima. Mas como aconteceram muitas coisas nesse intervalo de tempo, não tive tempo de ir ao apartamento dela para verificar se era de fato verdade.
─ E como ela descobriu essas informações? ─ perguntou novamente Serena, desconfiada.
─ Disse que escutou uma conversa telefônica suspeita dele no escritório há duas noites atrás e resolveu investigar.
Serena não estava acreditando nem um pouco nessa história. Mas por que ela mentiria a respeito disso? O que ganharia?
─ O que devemos fazer Dario? ─ perguntou Mariana, olhando pelo retrovisor.
─ Mari, deixe-me aqui mesmo. Vou seguir para o apartamento de Lisa agora. ─ precisava tomar uma decisão rápida ─ Leve Serena em segurança ao encontro de Dimitri, por favor!
─ Dario, não vou a lugar algum. ─ interveio Serena, resoluta ─ Não adianta insistir! Essa história não é verdadeira. Há duas noites atrás, você me salvou de Ricardo? Lembra? Ele estava muito bêbado e nunca teria voltado ao escritório e, muito menos, ter feito alguma ligação telefônica. Ela está mentindo!
Dario ficou em silêncio por alguns momentos. Serena estava certa. Ele não havia lembrado o que acontecera há duas noites.
─ Serena, de qualquer forma, preciso ir verificar as intenções dela.
─ Eu tenho um plano, Dario. Ela me odeia! Nunca entendi o porquê desse odeio. Sempre me hostilizou, jogando farpa de algum sentimento de Ricardo por mim. Lembra de quando você foi me buscar na redação para almoçar?
Mariana havia parado o carro no acostamento e ouvia conversa dos dois, sem interromper. Dario ficou em silêncio por alguns segundos. Lembrava bem da farpa que Lisa jogara a respeito de Serena, o que causou uma discussão posterior entre ambos.
─ Você está certa, Serena! ─ exclamou de repente, apertando suas mãos ─ Qual o seu plano?
Ela contou o que pretendia, rapidamente. Ele relutou muito em concordar, mas com a ajuda de Mariana, conseguiu.

Lisa continuava andando de um lado para o outro na sala de seu apartamento. Tinha certeza de que seu plano daria certo. Ricardo só esperava um telefonema para entrar em ação. Provavelmente, Dario viria sozinho e usaria todos os recursos que tinha para que ele dissesse aonde escondeu Serena.
Achando que já era hora, Lisa correu para o quarto trocar de roupa. Iria pôr uma camisola sexy e aparentar medo.
“Homem nenhum resistiria.”

Serena respirou fundo antes de entrar no prédio. O que haviam decidido fôra que Mariana ficaria de vigília na entrada e Dario acompanharia Serena, mas não entraria no apartamento.
Com mil questões martelando em suas cabeças, eles entraram no elevador. Dario continuava segurando sua mão.
─ Vai dar tudo certo, meu amor. ─ ele não concordava com o plano dela entrar sozinha, mas Serena sabia o que estava fazendo. Além de ser muito teimosa também─ Não vou deixar que nada aconteça a você.
Ela apenas assentiu. Estava sentindo o coração bater apressado no peito por estar tão perto dele e, ao mesmo tempo, numa situação de perigo. Mas não esquecera da forma como ele a tratara.
Quando o elevador parou no andar desejado, Dario saiu primeiro para analisar a área antes. Havia três apartamentos por andar e a escada era perto do número de Lisa. Decidiu que ficaria ali escondido.
─ Vou descer a escada e ficar escondido até você entrar. Depois volto e fico perto da porta para escutar o que está acontecendo. Você não pode deixar ela trancar a porta, Serena!
─ Deixa comigo. Vá se esconder então!
Ela percebeu que ele hesitou, parecendo querer lhe dizer algo, mas mudou de idéia. Com o coração apertado, ela levantou a mão para tocar a companhia, mas a reteve no meio do caminho.
─ Dario! ─ chamou, com voz baixa, mas urgente.
Ele se virou para ver o que ela queria e encontrou um par de olhos assustados, que as lentes dos óculos não conseguiam mais esconder.
─ O que foi...
Mas Serena andou até ele e o abraçou, interrompendo-o.
─ Perdão, Dario! Você ainda me ama? ─ perguntou em tom infantil.
Ele a abraçou forte e respondeu da melhor forma que imaginou, unindo seus lábios aos dela. O beijo não foi com paixão violenta, mas sim com um gosto de desespero e perdão.
─ Eu amo tanto você, Dario!
─ Eu te amo também, Serena! Nunca duvide disso. Eu que tenho que pedir perdão a você... ─ foi interrompido pelos dedos dela em sua boca.
Ela lhe deu um pequeno sorriso e um breve beijo nos lábios, antes de se virar novamente para a porta de Lisa. Agora sentia a coragem voltar a tomar conta de seu corpo.
“Vamos, Serena. Você pode!” disse a si mesma, mentalmente e tocou a campanhia de Lisa. Alguns poucos segundos depois, uma voz baixa mandou que entrasse.
Serena abriu a porta e entrou devagar. O apartamento estava com as cortinhas fechadas e um ar de sombriedade pairava no ambiente. Com certa dificuldade, conseguiu distinguir Lisa sentada no sofá, encolhida e com as mãos escondendo o rosto. Parecia chorar.
─ Lisa? ─ chamou, preocupada.
Ao perceber que a voz da pessoa que entrara não era de Dario, Lisa tirou as mãos do rosto e a olhou, irritada.
─ Serena? Posso saber o que faz aqui?
─ Vim conversar com você... está tudo bem?
─ Claro que não está tudo bem! Eu estava esperando por Dario. Não você!
Serena percebeu um tom de contrariedade e histeria em sua voz. Andou rapidamente até a janela e abriu as cortinas, permitindo a claridade entrar no apartamento.
─ O que está havendo...? ─ ia perguntando, quando viu que Lisa estava usando apenas uma camisola preta de renda, muito reveladora.
Lisa, percebendo o olhar dela, deu uma risada alta.
─ Percebe que estragou meus planos, queridinha? Tinha certeza absoluta de que Dario não escaparia de mim hoje. Mas, como sempre, você tinha que estragar meus planos.
─ Isso tudo... você armou isso tudo... só para seduzir Dario?
─ Claro que não... mas vamos ver... ─ continuou Lisa, colocando os dedos no queixo ─ nem tudo está perdido!
Lisa pegou o celular na mesa e discou um número.
─ Para quem você ta ligando? ─ perguntou Serena, perdendo a paciência com todo o joguinho de Lisa.
─ Ricardo? ─ chamou, no celular.
Ao escutar a pessoa para qual ela ligava, Serena sentiu-se mal. Rapidamente, aproximou-se de Lisa e tirou o celular de suas mãos.
─ O que pensa que está fazendo, sua vadiazinha?
─ Do que me chamou? ─ perguntou, irritada.
Lisa começou a gargalhar histericamente.
─ Por que me odeia, Lisa? O que te fiz? ─ perguntou, tentando entender.
─ Odiar você? Não... não odeio... desprezo quem você é! O jeito como todos gostam de você! Pode chamar de inveja... o que quiser! Mas não vou deixar você roubar o que me pertence!!!
─ O que roubei de você ?
Serena estava sentindo um turbilhão de emoções dentro do peito, mas estava conseguindo manter a calma pra fazer Lisa falar.
─ Você roubou a minha chance de ser promovida no Jornal... me roubou o único homem que não me quis na cama! O único homem que amo.
─ E por causa disso você se uniu a Ricardo? Para fazer o que, Lisa? Para ser criminosa, assassina...?
─ Ele me procurou, sabia? Na noite que você fugiu dele... fui o consolo dele! Engraçado isso, né? Mas agora ele pode me dar tudo... basta eu te entregar a ele! Não me importa mais nada... Já sei de todo o esquema do tráfico de órgãos. Nem foi preciso eu investigar!
Serena estava perplexa. Lisa só podia ter enlouquecido.
─ Você precisa de ajuda! ─ exclamou.
─ Ajuda? Você quem precisa... Ricardo vai te matar! Antes, ele vai aproveitar bem os prazeres que seu corpo tem a dar para ele. Espero que você odeie!!! ─ gritava, histérica ─ Devolve meu celular!
Sem esperar, Lisa agarra suas mãos fortemente e tenta tirar o celular a força. Lutando também, Serena tenta escapar, mas Lisa estava implacável. E tinha mais força também.
─ Sabe de uma coisa, Serena? Vou adorar te matar, eu mesma!
Lisa estava totalmente fora de controle, unhava os braços e rosto de Serena, que tentava se soltar.
─ Me solta! ─ começou a gritar, para tentar chamar a atenção de Dario.
De repente, sentiu as mãos de Lisa agarrarem seu pescoço fortemente.
─ Dario! ─ gritou, desesperada, sentindo a voz perder a força.
─ Você está presa, Lisa! ─ Dario gritou, entrando no apartamento já empunhando o seu revólver ─ Solte Serena agora! Não me faça atirar!
Lisa pareceu recobrar um pouco da sua consciência sã e a largou.
─ Era tudo... um truque de vocês! ─ exclamou, de repente.
─ Sim, Lisa. ─ respondeu Serena com voz abafada, já ao lado de Dario ─ Seu ódio por mim é tão grande, que nem te permitiu pensar no motivo que me trouxe aqui.
Lisa ficou visivelmente perturbada, mas ficou muda enquanto Dario a algemava.
─ Dario, você não pode levar ela vestida assim para a delegacia. Vou buscar um casaco para ela.
─ Dario... não percebe porque fiz isso tudo?─ Lisa estava desesperada ─ Eu sempre te amei! Nós podemos ter tudo...
─ Chega, Lisa! ─ mandou Dario, com voz cansada ─ Não piore sua situação.
Nesse instante, Mariana chegou ao apartamento e decidiram que ela levaria Lisa a delegacia. Dario levaria Serena ao encontro de Dimitri, conforme o combinado. Só estariam em total segurança quando o mandado de todos os envolvidos fosse expedido e cumprido. Até lá, Serena precisaria ficar escondida.