sexta-feira, 14 de setembro de 2007

CAPÍTULO III (FINAL)

Pediu que o fotógrafo tirasse algumas fotos das crianças brincando e, quando escutou o burburinho, foram para o jardim. Serena viu o mesmo policial que encontrara na entrada subindo ao palanque para ficar de prontidão. Sem perceber, ficou observando ele por um tempo.
– Você vai fazer alguma pergunta? – perguntou o fotógrafo, desviando sua atenção.
– Sim.
– Então vamos ficar mais perto do palanque.
Quando olhou de novo para o policial, percebeu que olhava para ela, com um leve sorriso. Sem conseguir evitar, ficou ruborizada e fingiu que anotava algo no seu bloco para esconder o rosto.

Quando a cerimônia foi dada como aberta, uma aglomeração de pessoas formou-se perto do palanque. O prefeito fez um discurso pequeno e passou a palavra para a diretora do orfanato. Assim que ela terminou de falar, os repórteres puderam, finalmente, fazer as perguntas. Serena esperou para ver que tipo de perguntas eram feitas e ficou surpresa ao perceber que nenhuma delas era relacionada ao bem-estar das crianças.
– Sr. Prefeito! – falou alto, esperando o momento certo – Quando vocês resolveram fazer a reforma no orfanato, procuraram saber a opinião das crianças?

Tanto o prefeito quanto a diretora ficaram bastante surpresos com a pergunta. Quem acabou respondendo foi o engenheiro-chefe, que estava ao lado do prefeito. E como já esperava, disse que a reforma foi baseada nos melhores orfanatos do país, que, por sua vez, visavam apenas o conforto das crianças.
– Se o Sr. me permite – continuou Serena, antes que alguém tomasse a palavra – acho que deveriam escutar mais as opiniões das crianças já que estas são as principais interessadas. E tenho uma sugestão a fazer.
– Qual o seu nome, minha filha? – perguntou o prefeito, falando pela primeira vez.
– Serena, senhor. Jornal da Vista.
– Gostaria de ouvir sua sugestão.
– Bom, acho que poderíamos fazer uma campanha de adoção, mostrando os seus benefícios. O que as crianças mais necessitam é de uma família e de carinho. Conversei com algumas delas, senhor.
– Você tem futuro, Serena. Vou passar sua sugestão para meus assessores. – respondeu o prefeito com um sorriso.

O resto da tarde, Serena passou brincando com as crianças que havia conversado antes. Estava muito feliz por ter conseguido a atenção do prefeito. Tinha certeza de que sua matéria iria ser um sucesso.
– Então seu nome é Serena? – perguntou uma voz masculina ao seu lado.
Ela estava tão entretida com a brincadeira que se assustou. Quando viu quem era, ruborizou de novo.
– Ah... é você.
– Meu nome é Dario. Você chamou bastante atenção na entrevista.
– Só fiz o que achei certo. Não quis chamar nenhuma atenção.


Dario sorriu diante da resposta malcriada dela.
– Não achei ruim. Você foi brilhante. Há muito tempo não via ninguém fazer perguntas decentes.
– Sei... bom, se me dá licença agora, vou para casa para escrever a matéria. Já estou bastante atrasada.
– Você quer uma carona?
– Você não está de serviço? – perguntou, apontando para o seu uniforme de trabalho.
– Estou voltando para a delegacia já. Um pequeno desvio não irá fazer nenhum mal... além do mais, será nosso segredo.
– Muito obrigada, Dario. Estou de carro. Tchau.

Serena virou-lhe as costas e rumou ao pátio. Não queria admitir, mas sabia que queria fugir do olhar dele. Precisava ocupar sua mente com o trabalho. Sabia que o momento de começar as próprias investigações e de agir estava se aproximando.
***

Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
(Clarisse Lispector)

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